Cada setor de negócios tem suas próprias características e os sistemas de custos precisam levar isso em consideração. Tendo trabalhado mais de 20 anos com marcas como Helmanns, Knorr, Maizena, SBP, SuperBonder, Durepoxi , Cascola, Cascorez e outras, tive oportunidade de identificar as características e necessidades de controle de custos de empresas desse setor.
A boa gestão de custos requer que desçamos ao chão de fábrica e conheçamos profundamente o que está por trás do ciclo de produção e comercialização dos produtos destinados ao setor consumo.
Importante destacar que a teoria disponível não aborda a maioria dos tópicos que irei comentar, ficando muitas vezes teorizando pontos poucos úteis e distantes da realidade que encontramos nas empresas de consumo.
Quando falamos em sistema de custos, estamos falando no sentido amplo, e incluiremos na nossa abordagem todos os custos e despesas, ocorridos desde a aquisição dos insumos até aqueles decorrentes do pós-vendas.
Destaco a seguir algumas características observadas nos custos das empresas que atuam no setor consumo:
Composição dos custos de manufatura
É comum nas empresas de consumo termos uma alta participação de matérias primas e embalagens nos custos dos produtos. Um bom controle sobre os custos dos materiais pode evitar muitas perdas e contribuir muito para a boa gestão. Em muitas empresas de consumo os custos dos materiais chegam a representar cerca de 80, 90% ou mais em relação aos custos totais. O que é incrível é que alguns sistemas de custos dedicam pouco tempo ao controle dos custos dos materiais, focando mais fortemente os custos de transformação ou custos de processo, apesar de estes representarem de 10 a 20% dos custos totais. Então, é importante que o tempo dedicado ao controle de custos seja proporcional à importância ou participação dos mesmos em relação aos custos totais. Logicamente que os custos de processo precisam ser controlados, mas a prioridade precisa ser sobre os custos dos materiais.
Custos com materiais de embalagem
Os custos de embalagem podem representar a parte mais significativa dos custos com materiais. Quanto menor a embalagem e quanto mais elaborada maior o gasto envolvido. Controlar custos com embalagens requer que se entre nos detalhes específicos que as área contábeis normalmente não focam.
Os custos de algumas embalagens irão variar muito dependendo do volume de compras. Certa ocasião verifiquei que um determinado produto tinha o custo baixíssimo para alguns rótulos, analisando os volumes em estoque verifiquei que para baratear o custo compraram um volume astronômico que levaria vários anos para ser consumido. É lógico que materiais de pequeno valor no custo total podem ser comprados para um período maior do que aqueles materiais com alta participação nos custos totais, no entanto comprar rótulos para 5 anos de consumo, chega a ser falta de responsabilidade de quem define o lote de compra, ou isso pode ser fruto de algum erro interno grave.
Importante ter em mente que as áreas de marketing costumam modificar as embalagens dos produtos, e nessa ocasião sempre ocorrem alguns descartes de materiais ( scraps ), por mais que se gerencie bem os estoques. Então, deve-se ficar atento aos volumes de estoques dos materiais de embalagem, uma avaliação sistemática dos estoques em valor e em dias é altamente recomendável, e poderá ajudar a evitar muitas perdas.
Em alguns casos embalagens são compradas com a validade estampada, nesse caso é necessário muito cuidado para não se ter o consumo de embalagens inviabilizado por questão de data de vencimento próximo. Muitas vezes, vale a pena investir e assumir a gravação das datas de validade, todavia sob o pretexto de redução de complexidade as empresas acabam adotando sistemas simplificados que geram economias no início, mas multiplicam perdas posteriormente.
É importante ter amplo conhecimento dos custos com desenvolvimento de embalagens incluindo desenvolvimento de artes, custos com moldes, custos com clichês e outros dispositivos para impressão. Custos elevados de moldes devem ser amortizados e incorporados aos custos da embalagem. Custos menores com desenvolvimento de artes e clicheria podem ser “despesados”. Muito cuidado é requerido nas apropriações de custos, é preciso observar as normas contábeis. O Brasil está migrando para um novo padrão contábil que seguirá a norma IFRS, e existem importantes diferenças com relação às práticas atuais que devem ser consideradas.
Recomendo fortemente que os gestores dos sistemas de custos conheçam bem como as embalagens são agregadas aos produtos, isso inclui conhecer o processo de produção que muitas vezes oferece oportunidades de melhorias com automação, terceirização ou adoção de processos melhor estruturados com ganhos não somente nos custos das embalagens, mas também nos custos de processo e melhoria de qualidade.
Diversos produtos possuem alguns insumos principais onde se concentram boa parte do custo de embalagem. São casos de frascos de vidro ou plástico, tubos plásticos ou de alumínio, embalagens para aerosóis e outras. Já presenciei mudanças básicas que trouxeram milhões em redução de custos. Um exemplo é a espessura da parede dos tubos plásticos ou de alumínio, a redução da espessura da parede de um tubo gerou enorme redução de custo. Enquanto a área que promoveu a economia recebia cumprimentos, eu me perguntava: por que a empresa ficou mais de 10 anos consumindo um material super dimensionado com importantes custos adicionais. É preciso buscar esse tipo de oportunidade, quando existem produtos similares no mercado, uma análise comparativa nas embalagens dos diversos produtos pode dar a pista sobre oportunidades de melhoria.
Custos de embalagens requerem análises e acompanhamento constantes, poderíamos escrever muitas páginas sobre particularidades desses custos e oportunidades de economias ou identificação de potenciais perdas. Sistemas contábeis de custos são insuficientes e não propiciam informações necessárias à gestão dos custos com embalagens, é necessário ir ao chão de fábrica, trabalhar fortemente com área de engenharia e vasculhar os processos de produção.
Custos com materiais primas
Empresas de consumo podem consumir diferentes materiais primas em seus processos produtivos. Vou comentar a respeito desses dois tipos de produção. Os comentários da minha outra postagem Sistemas de Custos de empresas metalúrgicas, pode também ser útil.
Para entender como devemos analisar o consumo de matérias primas nos produtos, imagine que você tem uma fábrica de bolos. Durante um determinado período você produziu 100 quilos de bolo. Para produzir 100 quilos de bolo você sabe que precisaria de 110 kilos de materiais primas ( farinha, açúcar, ovo, etc ), esses 110 quilos necessários chamamos de consumo teórico. Pois bem, a comparação entre o consumo teórico versus o consumo real para a produção dos produtos acabados é fundamental. Quando temos um sistema de custos que provê esse tipo de informação de forma adequada poderemos tomar conhecimento que alguns consumos reais estão muito diferentes dos teóricos, no caso é necessário analisar e saber o motivo da diferença. Diferenças entre consumos teóricos e reais podem ter dois tipos de origem: a primeira diz respeito a erros de apontamentos, medições e reportes errados e a segunda diz respeito a consumos normalmente a maior em função de perdas diversas, incluindo problemas de baixa performance dos equipamentos de produção, que precisam ser entendidos e resolvidos.
Diferenças decorrentes de erros tendem a se compensarem, se um consumo está reportado a maior em um período, provavelmente aparecerá um reporte a menor em outro período. Se erros são pontuais e pouco freqüentes, menos mal! Todavia, é comum ocorrer erros sistemáticos nos apontamentos e reportes de produção, e por trás desse tipo de evento e muito freqüente encontrar problemas decorrentes de um mau gerenciamento.
Existem pelo menos dois tipos de consumos de materiais primas que geram perdas, essas perdas precisam ser monitoradas e analisadas:
• o primeiro tipo de consumo de matéria prima é o mais simples, e consiste em colocar diferentes materiais num recipiente e misturar. Processos desse tipo não geram grandes diferenças entre matérias primas que entram no processo e o produto acabado em granel, que sai ao final do processo. Nos processos de mistura simples apenas perde-se o material que fica retido nos misturadores e os materiais que são retidos na forma de amostras. Ao índice entrada de materiais primas ( inputs ) comparado com a saída de produtos processados ( output ) chamamos de rendimento ou yeld em inglês. Rendimentos de processos de mistura simples são elevados, pois as perdas são mínimas, podendo alcançar 99%, 99,5% ou mais;
• o segundo e mais complexo tipo de consumo diz respeito ao processamento onde existe algum tipo de transformação das matérias primas, um exemplo para ilustrar isso, diz respeito ao processo de fabricação de bolos, quando misturamos componentes e levamos ao forno para obter um bolo assado, temos uma perda referente ao processo de assar o bolo, perde-se líquido, existe um processo de transformação. Isso pode gerar, como exemplo, a 10 ou 15% de perda, em outras palavras, o rendimento no caso para 15 % de perda, seria de 85%, ou seja, para cada 100 quilos de bolo colocado nas formas para assar sairiam 85 quilos de bolo processado. Nas empresas químicas é muito comum em processos onde há reação química se obterem perdas importantes, nas indústrias alimentícias também ocorrem muitas transformações, trabalhando em empresa que faz refino de milho para produzir amido, tínhamos uma pessoa quase que 100% do tempo apurando e analisando os rendimentos obtidos. Rendimentos podem variar em função de: 1-qualidade da matéria prima; 2- condições dos equipamentos e 3- fatores humanos. É preciso muito controle, trabalho junto ao chão de fábrica e trabalho conjunto com área de operações para uma avaliação sistemática dos rendimentos. Uma visão de melhoria contínua, reuniões periódicas e metas definidas, podem contribuir consideravelmente.
Custos com Processamento
Os custos de processamento para produtos produzidos em larga escala, normalmente não passam de 15 a 10% dos custos totais, logicamente há exceções, e se houverem devem ser tratadas à parte. Esses custos são fortemente afetados pela performance dos equipamentos de produção, pela qualidade dos registros de produção e pelo nível e qualidade da automação existente na linha de produção. Ver nossa postagem SISTEMAS DE CUSTOS DE EMPRESAS METALÚRGICAS.
Nos custos de processo as áreas produtivas precisam ser monitoradas, é necessário acompanhar diariamente por equipamento qual está sendo a produção real por hora, ou por dia e comparar as produções alcançadas com as capacidades teóricas das máquinas. Enquanto que para materiais primas, comparamos o consumo teórico com o consumo real, nos processos produtivos precisamos acompanhar a produção real comparativamente às capacidades teóricas que deveriam ser alcançadas. Quando fazemos análises por equipamento ou por área de produção, é comum encontrarmos processos produzindo a 70%, 80% da capacidade ou menos, muitas vezes baixas produtividades são decorrentes de falta de manutenção, problemas de operação, problemas nos tempo de set up, etc.
Apesar dos custos de processos serem os menos representativos os mesmos requerem apuração correta e avaliação sistemática, quando falamos que, os custos mais importante são os de materiais, é um fato, mas isso não significa que podemos relaxar nos controles sobre os custos com processo, mas sim que precisamos aumentar o nível de controle sobre os custos com materiais.
Outros custos e despesas com produtos para o consumo
Produtos destinados ao consumo possuem outros importantes custos que precisam ser identificados ao nível de produto e cliente e serem sistematicamente avaliados. Os principais são os seguintes:
Custos com armazenagem e frete
Esses custos podem atingir 10% ou mais com relação ao preço de vendas líquido dos produtos. Igualmente aos demais é requerida forte monitoração dos custos reais obtidos, e compará-los sistematicamente com os custos esperados.
Os gastos com fretes precisam ser conferidos, grandes empresas recebem milhares de cobranças de fretes que precisam ser checados. Muito importante nessa área é a apuração sistemática do nível de serviço. Muitas empresas estão terceirizando serviços de armazenagem e logística. Estudo detalhado sobre terceirizar o serviço ou assumir execução, precisam suportar decisões nessa área. Acompanhamento de KPI´s como custo por quilo transportado, porcentagem dos custos com transporte e armazenagem em relação às vendas precisam ser monitorados, precisam ter metas e estratégias para serem atingidas.
Custos com gastos promocionais
É comum as empresas de produtos destinados ao consumo pagarem verbas promocionais. Os principais clientes que demandam verbas promocionais são as redes. É necessário muito critério na concessão de verbas promocionais. Quando uma empresa concede uma verba promocional é esperada uma contra partida, que pode ser na forma de maior volume, ou melhor preço. Um bom sistema de aprovações das verbas concedidas pelos gerentes e área financeira ou controladoria, é essencial. Contratos que envolvem compromissos assumidos devem ser assinados e nunca devem ser aceitos contratos retroativos. Verbas comprometidas e devidas suportadas por documentação formal, precisam ser provisionadas contabilmente segundo o regime de competência contábil.
Verbas de propaganda e marketing
Empresas de consumo normalmente precisam efetuar elevados investimentos com propaganda e marketing. Esses gastos devem ser rigorosamente controlados e de preferência precisam ser alocados ao nível de produto, família de produto ou mesmo unidade de negocio. Contratos, cotações adequadas devem suportar os gastos assumidos. É muito áreas de marketing pagarem sobre-preço em função de terem que realizar eventos, feiras e promoções em caráter de urgência, assim o planejamento é essencial nessa área. Um bom budget anual categorizado por tipo de gasto é fundamental para a monitoração dos gastos com propaganda e marketing, com isso deve-se monitorar a execução do budget de gastos dessa área comparativamente aos gastos reais.
Oportunidades de redução de custos
Importante entender que são duas coisas diferentes: 1- apurar, reportar e analisar os custos do e; 2- buscar oportunidades adicionais de redução de custos. Nessa segunda parte recomendamos: avaliação sistemática de novos fornecedores inclusive avaliando fornecedores de outros países; melhoria nos processos; automação; terceirização; grupos multi-setoriais com foco em melhoria contínua; programas de sugestões promovendo a participação do pessoal do chão de fábrica e outras áreas com premiação às melhores sugestões implementadas.
Utilização de Sistema de Custo Standard
Vejam que me refiro em alguns pontos deste artigo a custos teóricos. Os custos teóricos calculados segundo os princípios dos custos standard, ou seja técnica e cientificamente representam a melhor forma de se controlar custos. O Standard é o orçamento do produto. No entanto tenho visto empresas que dizem utilizar um sistema de custo standard quando na realidade não utilizam. Algumas dessas empresas simplesmente atualizam duas receitas e roteiros com os últimos custos disponíveis, esse tipo de utilização está longe de ser um sistema de custo standard. É possível controlar custos sem um sistema de custo standard, no entanto a utilização de standard sempre ajuda.
Assim como em outros tipos de empresa, as empresas do setor consumo precisam monitorar os custos de seus produtos de forma minuciosa.
Sistemas contábeis tradicionais focam a apuração dos custos dos produtos terminados que são conseqüências de todas as variações, baixas produtividades e rendimentos ocorridos nos processos.
Ao entrar nos processos e ao analisar detalhadamente cada componente de custo, estaremos atuando sobre as causas que determinam os custos finais dos produtos terminados. Assim a obtenção de variações de consumos de matérias primas (teórico versus real), rendimentos dos processos de transformação de produtos e apuração de eficiência de utilização dos recursos de produção, é fator indispensável à correta gestão de custos nas empresa de consumo.
O mercado está repleto de profissionais que acham que conseguem controlar custos por detrás de uma mesa, na realidade o adequado controle de custos requer cálculos de engenharia, contatos diretos com o chão de fábrica, e conhecimento dos produtos, processos e pessoas que determinam os custos dos produtos e serviços.